Sinto-me sem nada.
Tiraram-me a alegria, a paciência, tiraram-me a bondade e a
entrega. Tiraram-me vida, porém. É como se estivesse só. E sinto-me como se o
tempo estivesse a passar e o resto a por aí ficar, sem noção do que ao certo me
rodeia e sem perspectivas de melhores dias, esses que já nem me lembro de como
eram. Choro porque fiquei sem nada, sem o mais e sem o menos.
Fiquei sem mente, sem raciocínio, fiquei sem paz e sem
calma. Brindam-me todos os dias com as novas vestes, de desassossego, de medo,
de receios, de doença, de preocupação, de ameaças, de fraqueza. Perdi-me na
dor, não sei mais quem sou porque não me consigo lembrar de quem fui.
Procuro-me aos poucos e a memória foi consumida por algo, sem que me deixem
conseguir voltar. Embora tente todos os dias ponderar o momento e a direcção.
Hoje não sei mais ao que recorrer se não a mim mesma, só que nem assim lá
chego. Abaixo do som do vento, palpitam as dúvidas pelo chão que piso, nem esse
é certo, nem esse é sólido.
Tremo de agonia, e enchem-me de ânsia, ora de onde
vens tu, inquietação? Não páras sequer para te certificar da minha respiração. Doem-me
os olhos, as costas, o estômago, a garganta. Pesa-me a cabeça. Arrasto as
pernas, e os pés em conjunto se movem. Apenas a mim. Porquê? Onde fiquei sem
que me levassem? Onde posso esperar que retornem e comigo sigam? Se ninguém me
alcança, se nada me resolve, no que é que devo acreditar? Alterar o trajecto e
falhar vezes sem conta, é como que se me afogasse em tentativas e cada vez
fosse mais ao fundo. Estou a perder se se tratar de um jogo, estou a morrer se
se tratar de uma vida.
Quedas, bloqueios, risos sem fôlego, prantos sem motivo, as
misturas que não prezam pelo bom gosto. Voltei a chorar, voltei a sentir-me sem
nada, voltei a ser fraca, impotente, perdida, sem fé, perturbada e incapaz. Há
muito que não me conhecia, indo ao fundo, quem sabe procurar a luz. Essa que
outrora levou muito até aparecer, agora somente passa e nem sinal deixa. As
oposições do destino, as quedas da fortuna. Prendem-me ao passado sem que me
consiga lembrar dele, bloqueiam-me no presente sem que no futuro algo possa
saber. Confundem-me as leis, vivo em curto-circuito. Deixaram-me pendente, por
aqui. E é por isso que me sinto sem nada. Porque me tiraram as horas e os
minutos, tiraram-me o sossego e os sonhos.