Não me venhas dizer agora que o mundo tem muitas cores e com
elas programamos o nosso quotidiano, sim tu. Não me canses ao dizer que temos a
vida pela frente se até o hoje vem a falhar. Sinto em mim as emoções como se estivesse
deslocada do corpo e da mente. Demoro uma hora até casa e dois minutos até destruíres
as minhas ideias que são meros sonhos ilusórios onde penso encontrar algum dia
a fé; onde penso que há solução para tudo e nunca houve foi coerência.
Perdi-me mais uma vez nos sentimentos que achei ter, a
capacidade de flutuar no hipotético ainda não desapareceu, tive a apetência
para ousar afirmar que chamavas o meu nome. Não acredito em mais e sempre
duvidei, porque sempre soube que não temos nada, já vínhamos sem nada. Não
tenho nada. Viemos ao mundo sem nada para sair dele com pouco mais de nada. O
dia será o mesmo para todos e ontem avisei-me que ia precisar de esconder a
cara. Pintei então memórias em falso, sei que me enganas. Sei que mentes e juras
por um mundo cruel que Não o foi.
És inacessível tal como eu era. Também o fui e agora aquilo
que sou, sou sem mais, tal como fui. As feridas que não curo, pouco me
interessa pois já conheço o sofrimento. A cabeça teima em doer. Estou mesmo
farta de ti, e sei que não preciso de ti mas também não sei como me livrar
disto e a verdade e que me queria livrar de tudo. De ti, de todos, sobretudo de
mim. Carrego tanto que não aguento mais, nem sei se consigo aguentar ou querer
aguentar. A vida não foi feita parar mim. Queria poder voltar a nascer e mudar
tantas outras coisas que já não posso apagar porque estão inerentes àquilo que
sou. Embora não saiba o que mais fazer para disto me ver livre… Tinha planos,
tive tantos planos, um lar onde me embalassem durante a noite. Esperei anos
pelo acaso, nem sei onde me possa encontrar. Acreditava que aos poucos
construía a pessoa que queria ser, até que aprendi que somos aquilo que somos não
se tratam de opções, o arbítrio ilusório persegue-me.
Acabei por não optar nem por palavras, perdi tempo e perdi o
sorriso. Grito mas não alcanço. E desde sempre que escrevo sobre perda, pouco
mais teria de se dizer tão ambíguo. Só há um sentido por agora, a ausência na
mesma linha. E tudo o resto, sabes lá tu o que é questionar a realidade e
perder-mo-nos na fantasia. Proíbem-me de tudo para no fim saber que somos livres
e connosco na verdade estamos apenas nós, tão só. Ao fim do dia o que resta? Memórias
e silêncio. E ate estes não estarão la para sempre.
O que é a eternidade aquando o vazio se expande? No fundo
até tu sabes que não queres saber, que tens essa liberdade e esse
desprendimento de tudo aquilo que quiseres. Amar é desapego, e tu aqui não te
prendes. O rio secou, as águas estão escuras e o pecado tenta ser meramente
experimental. Tu foste sempre igual, numa bolha de erros e prefiro viver muito
mais desligada dessa frequência. Pois daí te peço, lança o resto noutras
pessoas, porque chorei por algo que nem me pertence. Sabes o que é ser a
mentira? A repetição dos erros, a repetição dos sentimentos, porque no fundo
tudo acaba por ser o mesmo, é como que uma semelhança idêntica.
Pensar em roupas, queimar o raciocínio, não temos nada a ver
um com o outro, não nos tivemos sequer um ao outro. Que redundância, esperaria
meses, anos, se afinal acordasses e fosse tudo como achei que era. Era domingo,
e nunca gostei desse dia. Não podia gostar de ti e notas aqui a contradição?
Amei-te e não escrevi um quase. Amei-te mesmo, e as únicas palavras com que
fico são meras repetições daquilo que o universo já sabia, ora aquilo que
temia, supérfluo. Estou a ouvir o mesmo som desde que virei costas, estes
sentimentos são familiares, filosofias baratas são o que os dias me mostram,
cada vez tenho mais a certeza de que não sou de cá.
As palavras… Quem as transmite é o corpo mas quem as sente é
a alma. Sou a mesma, até o cabelo tem a cor daqueles tempos, fios de tristeza,
peço ajuda e Deus que não ouve, ou Deus que não existe. Choro por mais ou
simplesmente por nada. Hoje deitei-me no chão, senti-me onde não pertenço,
sozinha, é como se estivesse contigo ao lado quando dizia que te amava e nos deitávamos
juntos, era o mesmo, exactamente o mesmo que te ter comigo ou sem ti estar. Será
que Deus morreu? Sempre esteve morto?
Os acordes são os mesmos, julguei que nunca mais os ouviria,
passaram anos e afinal não mudou nada, se calhar foi por isso que nos tínhamos
de conhecer e de nos encontrar mais uma vez, para que voltasse a ouvir a chuva
aqui em baixo. Apenas levitava noutro mundo pleno e até isso me roubaram, até a
independência e a lucidez. Embora sem ti estivesse mas em paz comigo e com o
mundo, agora que senti que te tinha e embora mera ilusão, já não sei como lidar,
nem sei como esperar a vida sem crer sequer que viva.
Não sou de cá, nem tu me preenches, nem ninguém. Preciso de
harmonia, de música e de leveza, corri tanto e tenho ido cada vez mais longe, só
que esqueci agora qual a direcção lá no fundo, porque esqueci também o caminho
de volta.